1978 -> 1988 – Operação Fênix
“Das cinzas renascemos, prontos pra voar!”
Logo depois que recebeu a ordem de deixar a Sociedade Thalia, Elson Magalhães, que era Chefe do Grupo, foi conversar com o então dono da Universidade Tuiuti, professor Sidney Lima Santos, para pedir uma sala para abrigar o Santos Dumont, na antiga sede da instituição no bairro Bigorrilho, edifício esse que foi destruído por um incêndio em 2008. Magalhães lembra que Santos respondeu que não tinha nenhuma sala disponível para o Grupo. “Mas era um prédio muito grande. Eu então perguntei a ele se o Grupo poderia ficar caso eu achasse alguma sala vaga. Acho que ele tinha tanta certeza de que não tinha nenhum espaço livre, que disse sim. E eu procurei e consegui achar uma área coberta onde seria possível improvisar, com a instalação de divisórias, cinco salas para nós”, conta Magalhães. Assim, em 1979, o grupo inaugura sua sétima sede, dentro da Universidade Tuiuti.
Universidade Tuiuti, sexta sede do Santos Dumont. O prédio na foto foi destruído por um incêndio em 2008.
O período na Tuiuti durou pouco. O professor Sidney, ao ver que naquela área coberta que encontramos para nos instalar havia a possibilidade de implantar novas salas de aula, pede o espaço de volta para poder abrir mais vagas para alunos. E em 1979 mesmo o grupo se vê obrigado a mudar novamente, dessa vez para o Seminário São Clemente, na Avenida Vicente Machado, 2190, onde hoje está a Fundação Pró-Renal. Neste local tínhamos apenas uma sala logo na entrada do prédio para guardarmos nossos materiais.
Seminário São Clemente, sétima sede do Santos Dumont.
No ano seguinte, em 1980, a principal mudança visual do Santos Dumont foi no seu lenço. É naquele ano que o lenço passa a ter a bolacha com a imagem do Dumonzinho. Ao longo do tempo, a imagem foi sendo constantemente atualizada para acompanhar as mudanças do Grupo e da logomarca da UEB.
Mas mais importante que o lenço foi a autorização para o início das atividades da Alcateia Feminina, em 18 de dezembro, no aniversário do Grupo. O Santos Dumont foi um dos primeiros grupos escoteiros no Brasil a iniciar a experiência da co-educação. A alcateia feminina iniciaria as atividades no ano seguinte, e seria a terceira do Grupo, junto com as outras duas alcateias masculinas.
Permanecia, no entanto, a questão da sede. Apesar de instalados no Seminário, havia sempre o temor de que o Grupo pudesse ser desalojado novamente. No entanto, dessa vez o acaso jogou a favor. A presidente da Comissão de Mães, Iara Kalinowski, era professora na rede estadual e naquele ano de 1980 ela dava aulas no curso para motoristas que era ministrado na Polícia Rodoviária Federal (PRF). Durante as aulas, ela sempre falava do escotismo. Um dos integrantes da PRF, o senhor Fari Amadeu Nassin, se interessou pelo movimento. Iara acabou comentando a dificuldade em se encontrar uma sede mais definitiva para o Grupo, e Nassin se prontificou a ajudar.
Colégio Estadual Julia Wanderley, oitava e atual sede do GESD.
Foi ele quem colocou o Grupo em contato com a direção do Colégio Estadual Julia Wanderley. Elson Magalhães lembra que o diretor, o professor Angelino Kotoski, era um entusiasta do escotismo e aceitou a vinda do grupo para dentro da área da escola. Nassin, por sua vez, foi o responsável por entregar o documento oficial que permitiu a instalação do Santos Dumont dentro do Julia Wanderley. E como o Secretário de Estado da Educação da época, Edson Machado de Souza, tinha sido escoteiro, a benção para a instalação do GESD estava dada. A Fundação de Desenvolvimento Educacional do Paraná (Fundepar) doou a casa de madeira que foi usada como sede. A casa era usada como sede de emergência em escolas estaduais quando estas precisavam passar por reformas. A do GESD veio de uma escola estadual de Pinhais, em uma negociação conduzida pelo senhor Tony Bruinjé. E assim, em 1980, inauguramos nosso novo endereço, onde estamos até hoje. As salas das seções começaram a ser construídas em 1981.
Uma faixa celebrou a chegada do GESD (naquela época ainda GEARSD) ao Julia Wanderley
A sede original de madeira do GESD.
A inauguração da antiga sede de madeira do GESD dentro do Julia Wanderley.
Na década de 80 o grupo continua crescendo. Em 1981 o grupo abre o seu Círculo de Antigos Escoteiros (CAE), um embrião do que posteriormente se tornaria o Clube da Flor de Lis. No início o objetivo era juntar apenas antigos escoteiros que desejavam de alguma maneira estar vinculados ao movimento escoteiro, mas que não tinham condições ou não desejavam ser escotistas de seção ou dirigentes. Com o passar dos anos, no entanto, de acordo com um dos criadores do CAE, Elson Magalhães, o objetivo do círculo passou a não ficar restrito a antigos escoteiros. “Eu queria criar um espaço para aproximar ainda mais os pais e que servisse para descobrirmos novos escotistas”, conta. Como o Santos Dumont era um dos Grupos Escoteiros Experimentais autorizados pela UEB para a implantação da coeducação (participação das meninas e meninos nas diversas Seções), Chefe Elson conseguiu uma autorização da UEB para realizara uma experiência no nosso Círculo de Antigos Escoteiros, aberto para qualquer adulto, homem ou mulher, mesmo que não tivesse sido escoteiro na juventude. O CAE cresceu rapidamente e o Grupo se fortaleceu muito. O relatório dessa experiência exitosa foi, então, levado à apreciação da UEB, mas, infelizmente, não foi aprovado pelos órgãos da Direção Nacional, porque a ideia de chamar de “antigo escoteiro” uma pessoa que não havia sido escoteira na juventude não foi aceita pela maioria, apesar da experiência ter sido elogiada e seus resultados reconhecidos. Assim, como a restrição era apenas em relação à nomenclatura, no ano seguinte, em 1988, o Santos Dumont levou para a Assembleia Nacional da UEB a proposta de criação do Clube da Flor de Lis nos moldes como o conhecemos hoje. E assim surgiu o primeiro CFL do Brasil.
Acampamento do Círculo de Antigos Escoteiros, em 1981.
As meninas continuavam procurando o Movimento Escoteiro, e o Santos Dumont continuava sendo um pioneiro na implantação da coeducação no Brasil. A Alcateia Feminina começou em 1981. A Tropa Escoteira Feminina foi aberta em 1983. Dois anos depois, a Tropa de Guias iniciava suas atividades. Um dos primeiros eventos nacionais em que nossas meninas participaram foi o Jamboree Farroupilha, realizado em Osório, no Rio Grande do Sul, em janeiro de 1986.
Primeira Promessa da Tropa Escoteira Feminina, em 1983.
A primeira Tropa de Guias Escoteiras, fundada em 27 de julho de 1985.
Escoteiro do Santos Dumont, de boina, leva a faixa da delegação do Paraná ao IV Ajuri Nacional, realizado em Cotia – SP, em julho de 1985.
Torre de pioneiria erguida pela Tropa Sênior Pico Paraná, do GESD, na II Revoada Nacional das Velhas Águias em outubro de 1985, em Curitiba.
Visita do GESD à Base Aérea de Canoas, durante a viagem ao Jamboree Farroupilha (janeiro de 1986).
A noite trágica
No dia 8 de julho de 1987, o grupo participou de uma atividade especial na sede da Telepar, a antiga companhia de telefonia do Paraná. Os jovens puderam ver por dentro como funcionavam as antigas empresas de telefonia fixa. De noite, os adultos do Grupo, Chefia e Comissão Executiva (CE) se reuniram na casa do Mariovani Cervi, então presidente da CE, para fazer o planejamento do segundo semestre de atividades daquele ano. A reunião terminou ao redor das 22h30. Por volta das 23h30, porém, tocou o telefone do Chefe Mauro Alberti, então chefe de Grupo. Era o diretor do Colégio Estadual Julia Wanderley informando que, infelizmente, nossa sede estava pegando fogo, mas que os bombeiros já haviam sido acionados. Fogo!!
Chefe Mauro ligou imediatamente para o presidente da CE, Mariovani Cervi, para avisá-lo e foram ambos correndo até a sede. Como a casa era de madeira, o fogo encontrou bastante combustível para se alastrar rapidamente.
Nessa época, os liquinhos (botijões de gás) eram armazenados dentro da sede e isso contribuiu para o fogo ser mais difícil de ser debelado. Os bombeiros, logo que chegaram ao colégio, ainda presenciaram uma explosão de um botijão de gás, mas felizmente conseguiram apagar o incêndio antes dele alcançar as instalações da biblioteca da escola que ficava ao lado da sede do Grupo. Ao longo da noite, outros chefes e jovens foram chegando. Ninguém queria ir embora. Foi certamente o amanhecer mais triste da história do Santos Dumont. Muitas pessoas testemunharam a queda da última parede da sede, e choraram.
Na manhã seguinte, assim que as brasas esfriaram, iniciou-se um mutirão para vasculhar os entulhos em meio às cinzas e tentar encontrar algo que ainda pudesse ser aproveitado. No meio de tudo, foi encontrado um arquivo de aço de quatro gavetas que era utilizado para a guarda de documentos, fichas de inscrições, bandeiras e outros papéis do grupo. Na última gaveta estavam as bandeiras das seções e as do Grupo, todas queimadas. Como elas eram guardadas dobradas, nem todas queimaram totalmente. A escotista Ronilde Cervi, ao ver um pedaço de pano azul dobrado, percebeu que era o resto de uma bandeira do Grupo e foi desdobrá-lo para ver o que tinha sobrado. Qual não foi a surpresa de todos ao ver que o pedaço restante tinha a forma de um coração.
Novamente, todos caíram no choro. As lembranças dos participantes desse dia são desencontradas, devido à emoção, mas foi nesse momento que alguém disse algo parecido com isso: “como este coração que saiu das cinzas, vamos fazer como a lendária ave fênix, que queima e ressurge das cinzas, melhor e mais forte”. Estava lançado o Mutirão Fênix, que tinha como objetivo reconstruir a sede.
O dia seguinte ao incêndio de 08 de julho de 1987.
Em agosto de 1987, sem material, sem sede e munidos apenas de muita vontade e dedicação, o Santos Dumont inicia o seu mutirão. Vários projetos arquitetônicos foram feitos, até se chegar a uma conclusão de qual seria implementado. No entanto, a construção em si só começou quando o Grupo recebeu um candidato a lobinho que tinha sido orientado pelo seu médico a procurar uma atividade complementar à da escola. O pai desse jovem era pedreiro, e se dispôs a tocar a obra e receber conforme ela ia sendo executada. Quase ninguém acreditou isso, mas o fato é que esse senhor fez o que prometeu.
A pedra fundamental da nova sede foi lançada no aniversário de 29 anos do grupo. Mas ainda havia muito o que ser feito, além de conseguir os materiais. A Secretaria de Educação do Estado do Paraná pedia que os projetos arquitetônico, elétrico e hidráulico da nova sede estivessem elaborados. Projetos custam dinheiro, e dinheiro era tudo de que o Grupo não dispunha. Novamente, o acaso sorriu. O Sr Violi Prohmann, pai do Escotista Alfredo Prohmann, da Tropa Escoteira daquela época, trabalhava como comprador de uma empresa da construção civil, e pediu ajuda para os engenheiros de lá. O Grupo acabou ganhando os projetos. Agora era só começar.
A construção durou 18 meses. Ao longo desse tempo, muitas campanhas financeiras foram feitas para arrecadar os recursos que o Grupo não tinha. Rifas, venda de tijolinhos (pessoas davam o dinheiro equivalente a um tijolo), doações de terceiros, coleta de papel velho para vender (o Grupo conseguiu juntar 1,3 tonelada de papel!), ferro velho, Noites da Sopa, jantares. Enfim, tudo o que pudesse ser feito para arrecadar recursos foi feito, os membros do Grupo se desdobraram para conseguir juntar o dinheiro.
A nova sede subia graças aos esforços de muitos.
As telhas da sede foram conseguidas quase na sorte também. Quando a obra estava quase pronta, a construtora Tomazi do pai da Rosangela Tomazi, amiga do Mariovani Cervi, estava demolindo uma casa para construir um prédio em seu lugar. Essa amiga pediu as telhas de doação para o grupo, e lá fomos nós. A quantidade de telhas, porém, era insuficiente, e era uma telha antiga. Mas o material rendeu. Um dos escotistas estava procurando uma telha usada para cobrir uma casa em sua chácara e comprou toda a doação do grupo. E nesse meio tempo, um dos pedidos de doação de material deu certo, e uma olaria doou todas as telhas de que o grupo necessitava.
Mas ainda não dava para inaugurar a sede. Quando a obra estava a pleno vapor e o teto havia sido construído, alguém sugeriu que se fossem levantadas as laterais da sede e erguido o telhado, para criar um sótão que pudesse ser usado pelo grupo. A ideia foi aceita e o projeto modificado. Mas eis que um dia aparece a fiscalização do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA). Como toda a obra era feita na base do voluntarismo, ninguém tinha autorização de nada, e o CREA emitiu uma multa contra o grupo. Além da multa, o órgão também exigia o alvará de construção da Prefeitura e um documento chamado Guia Amarela, que autoriza erguer construções que não são residências. o Grupo também não tinha isso, tinha apenas uma autorização do Estado para construir sua sede ali, mas sem todas as formalidades.
O presidente Mariovani, que não era engenheiro, começou ali uma peregrinação por diversos órgãos públicos em busca das autorizações. Em todos os lugares, ele explicava que o escotismo era feito por voluntários, que a construção acontecia também com a ajuda de voluntários, com doações e com a autorização da Secretaria de Educação. De conversa em conversa, Mariovani foi conseguindo todas as autorizações e o perdão de todas as multas.
A nova sede estava quase lá, renascida das cinzas.
Assim, em 18 de dezembro de 1988, das cinzas renascia pronta para voar a nossa Fênix, o Grupo de Escoteiros do Ar Santos Dumont. Muitas pessoas participaram, e algumas contribuíram com dinheiro do próprio bolso, a título de empréstimo (que essas pessoas nunca cobraram do Grupo), para que esse dia fosse possível. Por isso, na árvore de natal da festa do Grupo em 1988, estava escrito “NUNCA TANTOS DEVERAM TANTO A TÃO POUCOS”. Às famílias dos escotistas Mariovani e Ronilde Cervi, Jose Iatagam Brilhante da Costa, Antonio Sergio da Silva e Luís Carlos Rodrigues Cruz, o Grupo nunca cessará de agradecer.
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